
O que é a demarcação de terras indígenas? Como ela ocorre?
Por que é importante reconhecer esses territórios?
Escrito por: Inara Chagas, Matheus Silveira, Rebeca A. A. de Campos Ferreira
Extraído de: Portal Politize!
Título: Terras indígenas: como são demarcadas
Publicado em: 27/06/2018
O QUE SÃO TERRAS INDÍGENAS?
As terras indígenas são porções do território brasileiro habitadas por povos indígenas. Essas estão diretamente relacionadas à garantia da reprodução física, econômica, social e cultural destes grupos, de acordo com seus costumes, tradições e usos.
O conceito de quais são as terras tradicionalmente ocupadas pelos índigenas consta no artigo 231 da Constituição Federal de 1988. Em seu primeiro parágrafo está estipulado que terras indígenas são aquelas:
“por eles [os índios] habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.
No que diz respeito às terras indígenas, é importante saber que elas não são propriedade dos povos que nela habitam, mas que constituem patrimônio da União.
Tratam-se de bens públicos de uso especial, o que significa que são inalienáveis, indisponíveis e não podem ser utilizados por outras pessoas que não sejam os próprios índigenas. Sendo assim, os indígenas detêm sobre essas terras a posse permanente e o uso exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes, ainda conforme o artigo 231.
A IMPORTÂNCIA DA DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS
As terras são o suporte da cultura e do modo de vida das 305 etnias indígenas. Elas são fundamentais para a reprodução física e cultural desses grupos, para a manutenção de seus modos de vida tradicionais, seus saberes e suas expressões culturais, as quais fazem parte do patrimônio cultural brasileiro.
Demarcação de terras indígenas significa a garantia da diversidade cultural e étnica, assim como a proteção ao patrimônio histórico e cultural brasileiro – o que caracteriza um dever da União e das Unidades Federadas, conforme disposto no Art. 24, inciso VII da Constituição. A demarcação de terras indígenas ainda garante a proteção do meio ambiente e da biodiversidade, o que também é um direito constitucional prescrito pelo art. 225 da Constituição.
DIREITO DOS INDÍGENAS, DEVER DO ESTADO
Ter seus territórios demarcados é um direito que os povos indígenas conquistaram após muitos anos de lutas e resistências. A Constituição expressa os direitos dos povos indígenas tanto em capítulos específicos – no título VIII, “Da Ordem Social”, e no capítulo VIII, “Dos Índios” –, quanto em outros dispositivos ao longo de seu texto.
Alguns desses direitos já existiam no ordenamento jurídico nacional, mas não de forma a garantir os direitos fundamentais dos indígenas. São exemplos desse caso os direitos à diferença, a ser diferente da sociedade nacional hegemônica, de ter seus costumes e suas tradições reconhecidos como legítimos e respeitados pelo Estado Nacional.
Foi somente com a Constituição de 1988 que ocorreram mudanças importantes na política indigenista nacional, permitindo o abandono da chamada “perspectiva assimilacionista”. Essa visão entendia que os índios estavam em meio a um processo de perda de seus costumes e tradições. Assim, eles estavam fadados a desaparecer ao serem integrados à sociedade nacional.
Essa visão entendia os índios como sendo uma categoria transitória, fadada ao desaparecimento, já que eles deveriam perder seus costumes e tradições e ser integrados à sociedade nacional. A expectativa de que tais povos “deixariam de ser índios” está até mesmo prevista no Estatuto do Índio.
Além de abolir essa ideia, a Constituição de 1988 também demonstrou avanço ao considerar que o direito dos povos indígenas às terras constituem direitos originários. Ou seja, reconheceu-se que esse direito é anterior à criação do próprio Estado, pois os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil.
Foi também após 1988 que a legislação nacional passou a considerar a necessidade de um território indígena ter tamanho suficiente para garantir os elementos necessários à reprodução não só física de um povo, mas também cultural. Ainda foi estipulado que essa demarcação deve ser da área tradicionalmente ocupada pela etnia em questão.
São vários os exemplos de reservas indígenas de territórios tradicionalmente ocupados, podendo ser citado o caso da reserva Apucarana, em Londrina, ocupada pela etnia Kaingang. Antes da Constituição de 1988 eram demarcadas áreas muito pequenas e/ou em localidades distintas da área tradicional de ocupação do grupo.
Os reflexos de tal política permanecem na atualidade, principalmente nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, e também no Mato Grosso do Sul, onde o que se vê são situações de confinamento territorial e restrições diversas aos indígenas. São justamente nessas regiões que estão localizados conflitos por terras entre indígenas e não indígenas.
Portanto, vemos que a partir de 1988 foi estabelecida uma nova relação entre governo, sociedade e povos originários, pautada no respeito e reconhecimento jurídico do direito à diferença. Tal direito, segundo o professor da USP Eduardo Bittar, representa o objetivo do respeito das singularidades dentro de sociedades modernas que tendem a produzir homogeneização e padronização.
Nesse contexto, a demarcação de terras indígenas figura como uma obrigação do Estado brasileiro imposta pela Constituição Federal. Além desse documento, destaca-se o Decreto 5051/04 e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho no Brasil (OIT), que garantem aos povos indígenas a posse exclusiva de seus territórios e o respeito às suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições, consolidando o Estado Democrático e Pluriétnico de Direito.
AS FORMAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE TERRITÓRIOS INDÍGENAS
Existem quatro formas de garantir o direito dos indígenas ao território. São elas:
- Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas: tratadas no artigo 231 da Constituição, são as terras indígenas de ocupação tradicional, de direito originário dos povos indígenas, cujo processo de demarcação é feito com base no Decreto n.º 1775/96.
- Reservas Indígenas: são terras doadas por terceiros, adquiridas e/ou desapropriadas pela União e que se destinam à posse permanente dos povos indígenas. Também pertencem ao patrimônio da União e não correspondem às terras de ocupação tradicional da etnia em questão, tal como ocorre na forma anterior.
- Terras Dominiais: são adquiridas por compra ou por doação e são de propriedade das comunidades indígenas. Esse é o único caso em que as terras não são apenas de usufruto dos indígenas e propriedade da União.
- Interditadas: são áreas interditadas para proteção dos povos indígenas em isolamento voluntário, com controle de entrada e circulação de terceiros. A interdição da área pode ser realizada, ou não, juntamente com o processo de demarcação disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96.
COMO SÃO DEMARCADAS AS TERRAS INDÍGENAS?
É de competência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) promover a demarcação de terras indígenas, protegê-las e fazer respeitar seus bens. Cabe a essa autarquia coordenar e executar a política indigenista brasileira, as ações de regularização, monitoramento e fiscalização das terras indígenas Tais funções têm como bases principais o artigo 231 da Constituição de 1988 e o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73). A demarcação das terras indígenas é realizada por meio de um procedimento administrativo, pautado em requisitos legais e técnicos.
QUANTAS SÃO AS TERRAS INDÍGENAS?
Segundo a FUNAI, atualmente existem 732 territórios indígenas em diversas fases:
- 43 terras indígenas demarcadas;
- 72 terras declaradas;
- 15 terras indígenas homologadas;
- 435 terras regularizadas;
- 111 terras indígenas em estudo;
- 6 portarias de interdição;
- 34 reservas indígenas regularizadas; e
- 16 reservas indígenas encaminhadas.